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"Você foi uma boa menina nesse ano?..."

Mais um ano está terminando e o Natal quase chegando às nossas casas. Época de combinar a ceia com a família, lutar contra shoppings lotados, comprar os presentes, visitar as 193529 decorações diferentes pela cidade... E, para pais e mães de plantão, levar os pequenos para conversar com o centenário Papai Noel.

 

Sim, minha filha acredita no bom velhinho, e já perguntou se São Nicolau é nosso parente distante. Muitas famílias, atualmente, optam por não alimentar a crença a essa figura folclórica por motivos diversos, mas ele faz parte da tradição natalina da minha desde sempre. Todos os anos, à meia-noite do dia 25 de dezembro, as "crianças" se escondem (incluindo aqui eu, meu irmão, minha pequena e o cachorro). O sino toca, os presentes aparecem magicamente aos pés da árvore de Natal, Papai Noel belisca o lanchinho deixado para ele e vai visitar outras casas. É sempre mágico; os olhos da pequena brilham, e até o cachorro saltita diante de tanta excitação.

 

Mas essa é a parte "comercial de margarina" da vida.

 

Todos sabemos que paz na Terra aos homens de boa vontade não dura o ano todo, e em 364 dias do ano acontece algum perrengue no convívio familiar. A pequena não é uma boneca de porcelana e, cada vez mais, temos discussões acaloradas sobre regras, horários e obrigações (alô, adolescência? Não temos pressa por você, obrigada!). A cada dia, um novo chilique, uma nova "empacada", um novo refinamento em respostas atravessadas, um novo drama mexicano. 


Essa é a minha vida. 

 

E então volto ao Papai Noel de shopping. Aquele senhor já bem idoso, de barba e cabelos verdadeiramente brancos, cujos óculos não são cenográficos e que precisa do emprego para acertar as contas no fim do mês. Nem todos têm a paciência de Jó que a ocupação requer, e alguns são mais rapidinhos do que os outros no papo com as crianças. Senta ali, pede o presente, ganha o pirulito, tira a foto e até a noite de Natal. Passamos por alguns shoppings assim, até que chegou um dia em que o velhinho, mais simpático e prestativo, se encantou com a pequena eloquente, que parecia tão doce e comportada, e fez a fatídica pergunta: "Você foi uma boa menina nesse ano? Obedeceu a mamãe e o papai?..."

 

O tempo parou. Vi o semblante animado de minha filha se modificar numa fração de milésimos de segundos, e meu coração gelou. O que ela iria responder? O que, para ela, significava ser uma "boa menina"? Quanto de nossas brigas reverberaram ali, naquele exato momento? Eu queria pular para dentro do cenário, abraçar a pequena e dizer que sim, ela era uma boa menina. Mas tudo o que pude fazer foi ficar ali, congelada e estática, ouvindo-na dizer "acho que não... Eu sou meio desobediente... Não sou boazinha o tempo todo". 

 

Nesse momento, o Papai Noel de verdade apareceu ali. Juro. Logo em seguida da resposta encabulada e extremamente sincera, cheia de lágrimas querendo brotar dos olhos, ele a envolveu em um abraço. E, com a mesma suavidade da pergunta, respondeu: "Lógico que você é uma boa menina! Disse a verdade para mim, e isso é o mais importante! Sabe, ninguém é bonzinho o tempo todo. Eu sei que você vai se esforçar para obedecer seus pais e pode ficar tranquila. Seu presente vai chegar."

 

Eu queria chorar. Queria rir. Queria abraçar o Papai Noel, tudo ao mesmo tempo. Só consegui fotografar aquele momento tão lindo, puro, em que um completo estranho foi tão gentil com a minha filha. Agradeci, tentando engolir todas as lágrimas que teimavam em escapar, e dei um super abraço nela. Disse que sim, ela era a melhor filha que eu poderia ter. Que ela merece todo o amor desse mundo. 

 

Isso não fazia parte do trabalho desse moço. Tampouco a fila estava tão reduzida que ele quisesse matar o tempo. Esse Papai Noel não apenas fez jus a tudo que essa figura simboliza, mas também pôde mostrar à minha filha que existe generosidade e bondade gratuitas nesse mundo. Se ele está lá todos os finais de semana? Não sei... Se houve outras conversas parecidas com essa? Tampouco desconheço. Mas, para nós, será difícil de esquecer esse momento tão singelo. 

 

Com isso, ficou para mim a reflexão: o que é ser uma boa menina? O que significa "se comportar para que o Papai Noel te traga o presente"? Esse sistema de recompensa e punição condiz com a história de São Nicolau, com a pureza dessa lenda e com o verdadeiro significado do Natal? 

E, ainda mais: será que "obedecer" o tempo todo é saudável? Que tipo de obediência esperamos? Que tipo de relação prezamos? 

 

Cada vez mais tenho a certeza de que ainda há muito o que aprender sobre o que é ser mãe. Mas uma certeza eu tenho: Papai Noel existe. E abraçou minha filha com a maior ternura do universo, de uma maneira que só os sábios avôs poderiam fazer. Obrigada, São Nicolau!

 

por Clau Nicolau - 9 de dezembro de 2015

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